Ivone Fabiana Ramírez Martinez
Em tradução livre pela Sampa Sling
Prólogo por Carmen Julia F. Heredia Cavero
Psicologa Social Representante da Associação de Psicologia Social - Bolivia (APSISOBOL)
"Cumprindo as tradições de seu povo, ao seu filho havia amarrado dos pés aos ombros, assim seu filhinho ficava quietinho nesse invólucro branco, que por vezes, para algumas pessoas, evocava uma ninfa. Quando ela deu à luz pela segunda vez, já estava na cidade e os médicos lhe disseram que envolver a criatura "como um morto, não era bom porque lhe tirava a liberdade para se desenvolver"; de modo que a mulher para não antagonizar, nem os médicos nem à sua mãe, seu segundo filho amarrou apenas até a cintura. E, finalmente, e em linha com a tendência moderna da mãe cosmopolita, seu terceiro filho foi "libertado" do controverso Chumpi Walta.
A história familiar acima ocorreu há mais de 45 anos atrás, mas hoje escrevendo este Prólogo vivo duas circunstâncias; Estou na cidade de Santa Cruz, e alojada em um desses condomínios elegantes e seguros, onde é claro, se "infiltraram" mulheres de origem Aymara e Quechua para cumprir tarefas de babás ou empregadas domésticas do lugar.
Uma delas, que renunciou à sua saia, mas não a seu Aguayo, foi proibida de carregar a filha de seus empregadores em seu pano de tear colorido. Segundo os pais, a empregada acatou submissa a proibição. No entanto, as colegas vizinhas da trabalhadora contam que no momento em que os pais atravessam pelo grande portão do condomínio, ela e a menina desobedecem, tornando-se assim a empregada naquela "que não entende nada" e sua pequena cúmplice em uma menina branca de olhos verdes criada como uma menina Andina... aparentemente feliz dentro do Aguayo.
Esses relatos mostram indiretamente a controvérsia que ocasiona, na Bolívia, o uso do Aguayo e do Walta Chumpi na infância.
E aqui então, resgato um dos muitos méritos do trabalho de Ramirez, que é essa lucidez para investigar um hábito andino diário, que há anos desencadeia preocupações em pais e mães, na sua maioria migrantes de áreas rurais, da Bolívia. Preocupações e perguntas como: amarrar ou não amarrar com o walto as crianças para carregá-las no Aguayo?
Em outras palavras, a autora intenciona fazer uma abordagem científica sobre os "benefícios ou malefícios" psicomotores que o uso destas peças de vestuário e práticas andinas poderiam causar durante a infância. Além disso, a análise psicossocial que Ramirez dá ao assunto é esclarecedora para compreender o comportamento psico-motor e afetivo-emocional, ambos entendidos como um todo organizado e determinado pela relação do sujeito com seu entorno, em conseqüências dos enfoques que tendem a dicotomizar o corpo e o meio social, algo impensável na psicologia construtivista.
(...)
No entanto, para além dessa pesquisa exploratória nas crenças e práticas sobre o uso de Aguayo e do Chumpi, as entrevistas realizadas por Ramirez com diferentes mulheres e homens de seus grupos de estudo, revelam a existência de uma etno-medicina e etno andino-psicologia, ou seja, o conhecimento e as habilidades que têm a ver com o cuidado físico e emocional das crianças andinas; segundo a autora, crenças e práticas estas que não estão em desacordo com as recomendações da biomedicina, especialmente quando se trata do cuidado da região frontal da cabeça das crianças.
Inevitavelmente, a leitura da pesquisa realizada por Ramirez, me levou para os caminhos agudos traçados por Michel Foucault, que como sabemos, diz que o conhecimento e a prática médica têm um lugar privilegiado no exercício de poder sobre nossos corpos, os discursos médicos nas sociedades modernas de hoje se converteram em novas formas de controle social.
À luz dessa premissa, é válido questionar-se se o discurso biomédico (especialmente o local) sobre as amarrações com Walta, emitido segundo a autora sem nenhuma base científica, se resume apenas em "prejuízos" e se todo "prejuízo" talvez não represente uma forma de controle social. Um controle, que nesse caso não diz respeito apenas ao conhecimento e práticas etnomédicas, mas também implica na tendência de se uniformizar todos os seres sociais e identidades dos mesmos, uma vez que essas esferas Psicosociais se constroem à partir de um modelo ideal ocidental.
Reforçando essa ideia, cabe também mencionar a antropologia do corpo, à qual a autora também recorre em sua análise. Tal cometido, afirma categoricamente que todo corpo é construção bio-psico-social, cultural e histórico. Assim, os corpos que os waltas e chumpis moldam na Bolívia andina, constituem parte da identidade desse grupo, e de uma forma específica de relação é vínculo que se estabelece entre criança e mãe, e criança e entorno social.
Cabe destacar que o olhar científico e multidisciplinar da autora, impedem de fazer "fetiche" destas indumentárias e práticas ancestrais, porque determina que o uso indiscriminado do Aguayo à partir do nono mês de vida prejudica o desenvolvimento psicomotor da criança. Esta observação, eu considero fundamental, já que apenas à partir de um enfoque ao mesmo tempo crítico e receptivo dos conhecimentos e práticas andinas, é que será possível consolidar e revolucionar a forma de compreender, fazer e aplicar a ciência junto aos povos indígenas e outras comunidades.
Além disso, o trabalho de Ramírez ao propiciar um encontro, ainda que apenas entre suas páginas, de diferentes conhecimentos, nos impele a seguir nesse caminho, e implica o desafio de ir tecendo com cada vez maior precisão os tópicos da ciência.
Carmen Julia F. Heredia Cavero Psicologa Social Representante de la Asociación de Psicología Social - Bolivia (APSISOBOL)