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27 de junho de 2016

A abordagem Colo Com Amor

A abordagem Colo Com Amor é uma construção coletiva da Rosângela Alves em parceria com várias mães e pais interessados na promoção da cultura de colo. Temos nos encontrado virtualmente em um grupo de discussão, que reune profissionais da saúde, empreendedoras do carregamento com pano, usuários e entusiastas da prática.

Para conhecer todo mundo, peça para entrar no grupo: Colo Com Amor no Facebook

A abordagem Colo Com Amor tem por característica primordial a disseminação dos saberes sobre bebês de colo e troca de experiências, com enfoque para a produção (intelectual e prática) BRASILEIRA. O que significa que é uma abordagem nacional, para reunião e registro da cultura de colo no Brasil atual.

Depois de um tempo de muita conversa e reflexão, troca de experiências e estudo de evidências, elaboramos algumas diretrizes da abordagem - para clarear o que nos motiva e nos diferencia, frente a tantas outras formas de se enxergar o carregamento no pano.

Hoje você conhece nossas diretrizes, leiam! Vocês vão gostar!




DIRETRIZES COLO COM AMOR


Entendimento integral das coisas

A aborgadem Colo Com Amor é de embasamento holístico. E por holístico, temos o entendimento integral das coisas. O olhar para o todo que envolve uma mãe, seu bebê e a saúde de ambos, no encontro de várias áreas de conhecimento. Observamos o colo como uma prática, aprendizado e manifestação cultural apoiada em uma série de sabedorias. Desde a bagagem ancestral, a quem honramos e respeitamos, passando por aspectos do desenvolvimento motor, psicosocial e emocional dos bebês e necessidades reais das mães (ou outros adultos carregadores).


Princípio Humanizante

O contorno da abordagem Colo com Amor, é o princípio básico da humanização. Em oposição à outras abordagens em desenvolvimento no mundo da cultura de colo, o colo é a finalidade, e os panos são o meio. E entre essas duas coisas existe um universo de vivências que entendemos ser o modelo humanizado. Parafraseando Antônio Cândido, entendemos que humanizar a prática significa "confirmar no homem aqueles traços que reputamos essenciais, como o exercício da reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento das emoções, o senso de beleza, a percepção da complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do humor”. 


Escuta ativa 

Em sintonia com o princípio humanizante, entendemos que o uso dos carregadores se apoia em diversos saberes e é transferido entre pessoas interessadas tanto em manter viva a cultura do colo como em gozar de seus benefícios inestimáveis, porém pessoas em contextos. E contextos são múltiplos, tanto quanto as pessoas. Sendo a interação entre os indivíduos e o meio uma condição para a aprendizagem, não estabelecemos regras rígidas à priori no que diz respeito à posição do bebê, tipos de amarração, tipos de tecido ou afins. Na abordagem Colo Com Amor a escuta ativa das especificidades é mais importante do que ideais de perfeição. A vivência plena da maternidade e proteção afetuosa da primeiríssima infância são mais importantes do que as técnicas. Este princípio se estende tanto para o adulto carregador como para o bebê carregado, que vemos deliberadamente esquecido por abordagens não humanizadas de carregamento. 


Balizas de Segurança

Em constante articulação entre teoria e prática, aprendemos que há algumas balizas de segurança para o uso de carregadores, no que diz respeito à posição do bebê e qualidade dos tecidos e amarrações. As balizas de segurança não são regras, e sim observações óbvias para pragmaticamente evitar acidentes. De maneira nenhuma entendemos que as balizas de segurança podem ser usadas para oprimir, coagir ou interferir na simbiose entre bebê e adulto carregador. No entanto, cabe a observação dos seguintes aspectos (baseado no TICKS, conjunto de segurança para carregadores desenvolvido em 2010 no Reino Unido)




BRAQS

1) Bem Ajustado: Slings e carregadores devem ser apertados o suficiente para manter seu bebê perto de você da forma que seja mais confortável para ambos. Qualquer folga / tecido solto permitirá que seu bebê a deslize no tecido, o que pode dificultar a sua respiração e forçar as suas costas. Consideramos aqui os nós dos carregadores, bem como a qualidade das argolas e fivelas no que diz respeito ao peso suportado e condições de travamento. Essa baliza norteia a segurança mecânica do carregador e do bebê no carregador.

2) Rosto visível: você deve sempre ser capaz de ver o rosto do seu bebê, simplesmente olhando para baixo. O tecido de sling ou carregador não deve se fechar em torno do bebê. Em uma posição berço ou colo, o bebê deve estar voltado para cima não estar virado para o seu corpo. Assim como em posição de colo natural, ou quando colocado no berço, o rosto do bebê deve estar visível, e não coberto por panos ou cobertores. Essa baliza diz respeito tanto à segurança contra asfixia do bebê mas é um convite de atenção do adulto carregador, tal e qual é demandada para um bebê fora do carregador. Olhar o rostinho do bebê pode alertar para qualquer desconforto.

3) À distância de um beijo: a cabeça do bebê deve estar tão perto de seu queixo quanto for confortável. Inclinando a cabeça para frente você deve ser capaz de beijar seu bebê na cabeça ou na testa. Essa baliza diz respeito à altura do carregamento, para evitar exclusivamente que os solavancos do caminhar do adulto atuem como pêndulo em um bebê colocado muito baixo. Ainda assim é relevante notar que na abordagem Colo Com Amor, compreendemos que o corpo do adulto contempla também uma série de variáveis. Por exemplo, é comum que quando carregados por homens, os bebês e adultos estejam em uma posição mais confortável - e igualmente segura - um pouco mais abaixo da distância do beijo. Ou ainda, que algumas ocasiões peçam por um carregamento nas costas. 

4) Queixo afastado do peito: um bebê nunca deve ser curvado de forma que o seu queixo seja forçado sobre o peito, pois isso pode restringir sua respiração. Garantir que há sempre um espaço de pelo menos um dedo de largura sob o queixo do seu bebê. Essa baliza tem a finalidade de promover posição fisiológica natural da traquéia do bebê e não significa que este deva ser carregado apenas verticalmente. No entanto, aponta que, nos carregamentos semi-deitados e mais enrolados, a pressão do tecido não deva exercer força sobre a cabeça de modo a enrolá-la sobre o pescoço o suficiente para provocar sufocamento. 

5) Suporte nas costas: Em um carregamento vertical o bebê deve ser carregado de forma que ele fique confortavelmente perto da pessoa que o carrega, com as costas suportadas na posição natural e barriga contra o adulto. Se um sling é muito frouxo, o bebê pode deslizar no tecido, o que pode fechar parcialmente suas vias aéreas. (Isto pode ser testado colocando a mão nas costas do seu bebê e pressionando suavemente - ele não devem se enrolar ou se mover muito em sua direção). Um bebê em um carregador de posição berço/colo deve ser posicionado com cuidado com a sua parte inferior na parte mais profunda do tecido, de modo que o sling não o dobre ao meio pressionando seu queixo contra seu peito. 


Múltiplas Fontes de Saber: 

A abordagem Colo Com Amor, assim como qualquer prática humanizada, se apoia em múltiplas fontes de conhecimento, sendo principalmente:
- a bagagem ancestral da cultura de colo através dos tempos e por todo o mundo.
- a experiência das promotoras da cultura de colo no Brasil e no mundo: parteiras, doulas, médicas e médicos pediatras, consultoras, fabricantes, vendedoras e mães que vem compartilhando suas vivências de forma gratuita e generosa. 
- a inteligência técnica e científica de variados estudiosos sobre aspectos variados do desenvolvimento de bebês.
- os saberes de ordem intuitiva, instintiva e não mensuráveis das relações entre mães e bebês.

O Colo é maior que o pano
A história do carregamento de bebês através do tempo e pelo mundo é marcada pela versatilidade e pluralidade de formatos, tipos de tecido e posições do bebê. A matriz têxtil de cada região em combinação com fatores geográficos (clima) e aspectos socio-culturais (tipo de atividades exercidas pelos adultos carregadores) determina a predominância de um ou de outro modelo ou posição de colo. Nas tribos indígenas brasileiras por exemplo, há uma larga utilização de tipóias trançadas. Tipóias que vemos também em comunidades ancestrais africanas, mas que fazem bom uso do couro. Povos com tradição em plantio de algodão, cardagem e fiação, tem em sua cultura de colo tecidos retilíneos. Nas populações onde as mulheres-mães atuam em atividades manuais como colheita, ceifagem (entre outros) é comum que os bebês sejam carregados nas costas. Em localidades frias, o bebê é enrolado em mantas antes de ser colocado no carregador. Tudo isso para estabelecer que a abordagem Colo Com Amor considera os aspectos climáticos, sócio culturais, do desenvolvimento do bebê, do conforto do adulto carregador e da disponibilidade dos tecidos, em combinação com as nossas outras diretrizes já descritas. Na sociedade contemporânea, as propagadoras da cultura de colo dentro da abordagem Colo Com amor atuam na pesquisa, confecção, venda, educação, disseminação e vivência da prática de forma transdisciplinar, de modo que constroem a abordagem de forma autoral, flexível e baseada na práxis cotidiana para além dos textos científicos.


Tecnologia Social

A abordagem Colo Com Amor entende o uso do carregadores de pano e facilitadores de colo como uma tecnologia social. Acreditamos que carregar bebês é sabedoria feminina que deve ser compartilhada, estimulada e preservada, e se em algum momento o elo desta corrente se quebrou, cabe à nós reconectá-lo. Portanto promovemos a disseminação desse conhecimento de variadas maneiras. Em encontros coletivos, rodas maternas, entre consumidores e clientes, através das redes digitais, e, nos casos das pessoas que fabricam carregadores de pano, em suas lojas, eventos e oficinas. A abordagem Colo Com Amor privilegia a transmissão gratuita, horizontal e democrática desse conhecimento, não tendo as consultorias particulares e cursos de formação como foco de atuação. Colo Com Amor, é uma abordagem com menos apelo mercadológico e mais apelo social. 


Evidências Científicas, Estudiosos e Bibliografia da Abordagem Colo com Amor: 
A abordagem Colo Com Amor entende o material acadêmico como apoio para proteção da cultura de colo frente aos interesses de grandes iniciativas, que no último século vem lucrando com a tendência vigente de separar fisicamente os humanos de suas crias. Assim, a comunidade científica só vem confirmar o que já sabemos: colo faz bem. A abordagem colo com amor não usa o resultado de pesquisas como fonte de imposição de regras, e sim os observa criticamente em sincronia com todas as diretrizes que a norteia.

DOWBOR, Fátima Freire. Quem educa marca o corpo do outro. São Paulo: Cortez, 2007. GUTMAN, Laura. A maternidade e o encontro com a própria sombra. Rio de Janeiro: Best Seller, 2010.
______________. O poder do discurso materno. 1 ed. São Paulo: Ágora. 2013. 
______________. Mulheres visíveis, mães invisíveis.1 ed. Rio de Janeiro: Best Seller, 2013. KARP, Harvey. O Bebê mais feliz do pedaço. São Paulo: Planeta, 2004. 
LIMA, Elvira Souza. Como a criança pequena se desenvolve. São Paulo: Inter Alia, 2010.
NICOLESCU, Basarab. O Manifesto da transdiciplinaridade. São Paulo: TRIOM, 1997. 
STRUYF, Godelieve Denys. O método das cadeias musculares e articulares: o método G.D.S. São Paulo: Summus Editorial, 1995. 
TRINDADE, André. Gestos de cuidado, gestos de amor: Orientações sobre o desenvolvimento do bebê. São Paulo: Summus Editorial, 2007. 
BÉZIERS, Marie Madaleine. O bebê e a Coordenação Motora: Summus Editorial.
WINNICOTT, D.W. Os bebês e suas mães. 4 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2012.
_______________. A criança e seu mundo. 6 ed. São Paulo: LTC, 2013.

16 de maio de 2016

Aguayos Bolivianos e o estudo científico da professora Ivonne Ramirez - Prólogo

Ivone Fabiana Ramírez Martinez
Em tradução livre pela Sampa Sling

Prólogo por Carmen Julia F. Heredia Cavero 
Psicologa Social Representante da Associação de Psicologia Social - Bolivia (APSISOBOL) 

Foto: Unbolivable

"Cumprindo as tradições de seu povo, ao seu filho havia amarrado dos pés aos ombros, assim seu filhinho ficava quietinho nesse invólucro branco, que por vezes, para algumas pessoas, evocava uma ninfa. Quando ela deu à luz pela segunda vez, já estava na cidade e os médicos lhe disseram que envolver a criatura "como um morto, não era bom porque lhe tirava a liberdade para se desenvolver"; de modo que a mulher para não antagonizar, nem os médicos nem à sua mãe, seu segundo filho amarrou apenas até a cintura. E, finalmente, e em linha com a tendência moderna da mãe cosmopolita, seu terceiro filho foi "libertado" do controverso Chumpi Walta.

A história familiar acima ocorreu há mais de 45 anos atrás, mas hoje escrevendo este Prólogo vivo duas circunstâncias; Estou na cidade de Santa Cruz, e alojada em um desses condomínios elegantes e seguros, onde é claro, se "infiltraram" mulheres de origem Aymara e Quechua para cumprir tarefas de babás ou empregadas domésticas do lugar.

Uma delas, que renunciou à sua saia, mas não a seu Aguayo, foi proibida de carregar a filha de seus empregadores em seu pano de tear colorido. Segundo os pais, a empregada acatou submissa a proibição. No entanto, as colegas vizinhas da trabalhadora contam que no momento em que os pais atravessam pelo grande portão do condomínio, ela e a menina desobedecem, tornando-se assim a empregada naquela "que não entende nada" e sua pequena cúmplice em uma menina branca de olhos verdes criada como uma menina Andina... aparentemente feliz dentro do Aguayo.

Esses relatos mostram indiretamente a controvérsia que ocasiona, na Bolívia, o uso do Aguayo e do Walta Chumpi na infância.

E aqui então, resgato um dos muitos méritos do trabalho de Ramirez, que é essa lucidez para investigar um hábito andino diário, que há anos desencadeia preocupações em pais e mães, na sua maioria migrantes de áreas rurais, da Bolívia. Preocupações e perguntas como: amarrar ou não amarrar com o walto as crianças para carregá-las no Aguayo?

Em outras palavras, a autora intenciona fazer uma abordagem científica sobre os "benefícios ou malefícios" psicomotores que o uso destas peças de vestuário e práticas andinas poderiam causar durante a infância. Além disso, a análise psicossocial que Ramirez dá ao assunto é esclarecedora para compreender o comportamento psico-motor e afetivo-emocional, ambos entendidos como um todo organizado e determinado pela relação do sujeito com seu entorno, em conseqüências dos enfoques que tendem a dicotomizar o corpo e o meio social, algo impensável na psicologia construtivista.

(...)

No entanto, para além dessa pesquisa exploratória nas crenças e práticas sobre o uso de Aguayo e do Chumpi, as entrevistas realizadas por Ramirez com diferentes mulheres e homens de seus grupos de estudo, revelam a existência de uma etno-medicina e etno andino-psicologia, ou seja, o conhecimento e as habilidades que têm a ver com o cuidado físico e emocional das crianças andinas; segundo a autora, crenças e práticas estas que não estão em desacordo com as recomendações da biomedicina, especialmente quando se trata do cuidado da região frontal da cabeça das crianças.

Inevitavelmente, a leitura da pesquisa realizada por Ramirez, me levou para os caminhos agudos traçados ​​por Michel Foucault, que como sabemos, diz que o conhecimento e a prática médica têm um lugar privilegiado no exercício de poder sobre nossos corpos, os discursos médicos nas sociedades modernas de hoje se converteram em novas formas de controle social.

À luz dessa premissa, é válido questionar-se se o discurso biomédico (especialmente o local) sobre as amarrações com Walta, emitido segundo a autora sem nenhuma base científica, se resume apenas em "prejuízos" e se todo "prejuízo" talvez não represente uma forma de controle social. Um controle, que nesse caso não diz respeito apenas ao conhecimento e práticas etnomédicas, mas também implica na tendência de se uniformizar todos os seres sociais e identidades dos mesmos, uma vez que essas esferas Psicosociais se constroem à partir de um modelo ideal ocidental. 

Reforçando essa ideia, cabe também mencionar a antropologia do corpo, à qual a autora também recorre em sua análise. Tal cometido, afirma categoricamente que todo corpo é construção bio-psico-social, cultural e histórico. Assim, os corpos que os waltas e chumpis moldam na Bolívia andina, constituem parte da identidade desse grupo, e de uma forma específica de relação é vínculo que se estabelece entre criança e mãe, e criança e entorno social.

Cabe destacar que o olhar científico e multidisciplinar da autora, impedem de fazer "fetiche" destas indumentárias e práticas ancestrais, porque determina que o uso indiscriminado do Aguayo à partir do nono mês de vida prejudica o desenvolvimento psicomotor da criança. Esta observação, eu considero fundamental, já que apenas à partir de um enfoque ao mesmo tempo crítico e receptivo dos conhecimentos e práticas andinas, é que será possível consolidar e revolucionar a forma de compreender, fazer e aplicar a ciência junto aos povos indígenas e outras comunidades. 

Além disso, o trabalho de Ramírez ao propiciar um encontro, ainda que apenas entre suas páginas, de diferentes conhecimentos, nos impele a seguir nesse caminho, e implica o desafio de ir tecendo com cada vez maior precisão os tópicos da ciência. 

Carmen Julia F. Heredia Cavero Psicologa Social Representante de la Asociación de Psicología Social - Bolivia (APSISOBOL) 

6 de julho de 2015

A idéia não é sua! Apropriação Cultural na Comunidade do Nascimento

O artigo de hoje nos trouxe uma poderosa reflexão sobre o cuidado constante com as origens do Babywearing e outras práticas de apego, tão comumente apropriadas pela cultura branca mercantilista, à exemplo do que acontece nas esferas do parto e amamentação. Aamina é Doula, artista e poeta, de origem indígena-americana, que tem como objetivo transformar as doulas mais acessíveis para as comunidades marginalizadas como as mulheres negras, lésbicas/gays, transgênero e famíias queer.

Leia o relato dela sobre a apropriação cultural do uso do Sling e reflita conosco!
As imagens ilustrativas são parte da pesquisa que fizemos para essa postagem e contam com os devidos créditos. 

***
Em livre tradução pela Sampa Sling

Estudei todos os livros que pude encontrar sobre o parto e parentalidade na minha biblioteca local quando eu estava grávida pela terceira vez. Era a minha primeira gravidez viável, 19 anos atrás. Eu era uma jovem de raça mista e meu parceiro um jovem nativo, mas eu tinha sido adotada e criada por uma família branca. Saber que eu estava à caminho de ser uma mãe com tão pouca conexão com a minha cultura me deixou ansiosa para aprender sobre de onde eu realmente vim.

As opções de livros da biblioteca eram bastante limitadas, por isso provavelmente foi um milagre que eu tenha descoberto um pouco sobre babywearing. Eu nem sequer imaginava que ainda existem mulheres nativas que usam ''cradleboards'' tradicionais, então eu comprei um carregador frontal do tipo que não existe mais. Quando meu filho tinha três dias de idade, eu usava-o no ônibus para sua primeira consulta no pediatra. Descobri que o carregar dessa forma era uma prática de empoderamento. Ele ajudou a mantê-lo calmo, e manteve as minhas mãos livres para escrever longas cartas para o pai dele, para lavar a roupa, e para ser capaz de fazer as coisas que eu precisava fazer.

Apache "cradleboard"- 1914 : fonte da imagem

Somente cerca de sete anos mais tarde, quando eu tinha um parceiro da Nicarágua, que eu tive a oportunidade de ver as mães da América Central que vestem seus bebês em suas costas em cobertores. Nos últimos 10 anos, graças à internet, tenho visto um ressurgimento da informação acessível sobre babywearing. Infelizmente, a maioria das informações é de marketing: e voltada para as mulheres brancas da classe média, muitas vezes com pontos de venda sobre este grande fenômeno "novo" e exigindo engenhocas caras, enquanto desconsidera as comunidades não brancas em que babywearing tem sido o normal desde o início dos tempos. 

Isto é evidente quando percebemos a falta de famílias negras na maioria das campanhas de marketing e até mesmo de mídia social. Quatro anos atrás eu comecei um Tumblr dedicado a apenas mostrar pessoas não brancas slingando, e era difícil encontrar fotos para postar (o que, desde então, melhorou um pouco). Esse tumblr também foi recebido com raiva por mulheres brancas, que diziam que não havia necessidade de um blog só para as famílias não brancas, e que era "excludente". Eles pareciam não enxergar a ironia desse termo.

Mãe e bebê na Guatemala: fonte da imagem
Kanga & Kitenge: Babywearing na África. Fonte da Imagem

Mãe e bebê Hmong: fonte da imagem

Do Quiche Maya da Guatemala ate o Zulu da África do Sul, para os Hmong das montanhas da Ásia, o babywearing sempre existiu e foi mantido por muitas mulheres, apesar da colonização e demandas para assimilar as normas européias / norteamericanas que subsumem nossas culturas tradicionais. Como a história do babywearing, a tradição de slingar a barriga também tem sido marginalizada por muitas pessoas, e ainda assim eu não sabia nada sobre isso. Somente no último verão eu fui ensinada como parte da minha formação de doula pelo ''International Center of Tradicional Chilbearing" como usar o envoltório de barriga (belly-binding) durante a gravidez para a sustentação, e após a gravidez como alternativa à cinta. De repente, muitos dos estilos de roupas tradicionais que incorporam lenços elaborados nos quadris ou envolvidos em torno da cintura no Nepal, Tibet, Egito, minha própria tribo, e outras culturas fazem novo sentido.

Imagine minha surpresa, encontrar este artigo no Mothering.com sendo amplamente compartilhado em mídia social por parteiras brancas que eu imaginava que fossem melhor informadas. A autora, uma mulher branca, diz que ela "descobriu" embrulhar a barriga como um instrumento de apoio a sua pélvis durante sua segunda gravidez. Enquanto slingar o bebê tornou-se mais comum, slingar a barriga ainda é uma maravilha a ser descobreta pelas mulheres brancas, mas como babywearing, as mulheres brancas têm felizmente aproveitado a ocasião para "ensinar" essas habilidades. Por alguma razão, elas se sentem compelidas a oferecer workshops com nomes exóticos que soam como "O uso do Rebozo Mexicano" e "Amarração Africana de Barriga" para fazer com que senhoras brancas se interessem. Não estou sugerindo que as mulheres brancas não deve praticar apoio / sling de barriga e babywearing. Os benefícios de ambos são tão grandes que eles devem ser amplamente conhecidos e praticados.

Fonte da Imagem

O que me trás desconforto são mulheres brancas escrevendo artigos onde dizem que "descobriram" essas técnicas e falam como autoridades do assunto sem nunca dar crédito à história e verdade cultural destas técnicas. Dar crédito significa muito mais do que usar uma palavra "estrangeira" e uma impressão "étnica" bonita em seu site e folhetos. Significa, também, um aprofundamento maior do que referenciar as práticas "típicas" de uma ou duas culturas que não têm nenhuma conexão significativa com elas. Eu tenho um problema com mulheres brancas oferecendo workshops, e sendo pagas para fazê-lo, para introduzir outras mulheres, predominantemente brancas a estas técnicas sem questionar por que elas acham que são as especialistas no assunto, por que elas estão ensinando as mulheres, predominantemente brancas , o quão apropriadoras elas estão sendo, e como integrar mais profundamente o crédito dessa cultura onde devido, com uma compreensão adequada da história e significados culturais de tais práticas em comunidades não-brancas. É um problema para mim quando eu tento compartilhar o conhecimento de minhas próprias culturas com mulheres marginalizadas que procuram essa ligação cultural, sou atravessada por mulheres brancas que foram a um treinamento ou leram um livro, mas nunca realmente trabalharam com alguém da minha cultura.

Os pais não brancos muitas vezes falam sobre como encontramos duas reações comuns quando fazemos as coisas que temos recuperado como parte do processo de  conexão com as nossas próprias culturas. Ou as pessoas nos dizem que somos "atrasados" e que essas coisas são "primitivas"; nos dizem que hoje há ciência (porque o que os nossos antepassados , obviamente, não se basearam em qualquer ciência) e novas teorias e etc. Ou eles exotizam as nossas práticas culturais e querem ouvir tudo sobre isso e, se estamos abertos a compartilhar, eles de repente se tornam "especialistas" sobre o assunto e pouco depois os encontramos ensinando ou escrevendo artigos desagradáveis ​​tais como os que estou linkando nesse texto. Muito parecido com outros métodos de "mater/paternagem naturais" que se tornaram populares de novo em culturas brancas, há pouca reflexão de como a colonização tentou desesperadamente separar as famílias não brancas da amamentação, babywearing, e outros métodos de cura tradicionais. Parteiras e doulas passam a ser associadas a uma classe de privilégio, muitas vezes completamente inacessíveis às comunidades mais marginalizadas que seriam realmente beneficiadas com mais acesso a esses profissionais. Parto domiciliar é dado como algo que uma família branca pode escolher, mas as famílias não brancas são agora forçadas a aceitar procedimentos médicos invasivos sob a ameaça de ter seus filhos retirados da casa com acusações de negligência médica.

Vale a pena notar que as formas tradicionais de babywearing e de suporte de barriga não exigiam possuir vários  wraps ou slings de US$50 a US$200. Tudo o que precisa é um lenço longo, pedaço de tecido, ou cobertores. Pode-se argumentar que era apenas uma questão de tempo antes que os wraps fossem comercializados, e que o marketing de wraps está respondendo a uma demanda. Por outro lado, gostaria de sugerir que essa comercialização é exatamente o que faz com que essas opções pareçam "não para você" para muitos pais pobres não brancos para quem tal despesa simplesmente não é realista. Em vez de ensinar que o suporte da barriga o e babywearing pode ser feito com um produto, e mostrando como qualquer lenço de um determinado tamanho pode ser funcional, comercialização sugere que babywearing é complexo e caro. Para as mulheres pobres e não-brancas que estão também mais sujeitas a acusações de cuidados negligentes, a questão da segurança também é muito real. Os comerciantes são rápidos em sugerir que os transportadores são necessários para a segurança, à despeito do fato de que as mulheres de todo o mundo continuam a usar seus bebês com um bom lenço de algodão, e sem problemas. Não é sobre o tipo ou o custo de seu sling, é sobre estar bem informado sobre como usá-lo de forma segura. O acesso ao conhecimento tradicional dos nossos antepassados ​​e apoio a reconhecer que a sabedoria e a metodologia é um ingrediente-chave em falta porque foi apropriado por mulheres brancas que não conseguem fazer divulgação para as comunidades de onde roubaram as tradições.

Nós todos queremos o que é melhor para os nossos bebês. Como doula, eu digo às famílias que a coisa mais importante é que eles tenham todas as informações necessárias que lhes permitam fazer escolhas educadas e conscientes sobre o que é melhor para sua própria situação e necessidade. Isso é verdadeiro independentemente da sua cultura ou etnia - conhecer as opções  é inestimável. Infelizmente, existe uma real disparidade no acesso a essa informação, e a falta de apoio culturalmente competente, para muitas famílias não brancas. Quando as mulheres brancas levam o crédito por descobrir as nossas tradições, isso que desonra a nossa história e as nossas culturas, enquanto retém o apoio que essas tradições representam para aqueles que as vêem como uma forma valiosa de acessar nossos próprios poderes ancestrais. Apropriação não é um ato inocente. Isso nos dói economicamente, em disparidade de saúde, em comportamentos micro-agressivos que eu diria não são micro coisa alguma, mas sim contribuem diretamente para a continuidade dos sistemas de marginalização.

http://aaminahshakur.tumblr.com/post/102993343505/not-your-idea-how-to-avoid-cultural-appropriation


11 de maio de 2015

A História do Babywearing


Se você usa um sling, alguém ja deve ter te dito "na minha época não tinha essas coisas'' - o que na verdade é correto e errado ao mesmo tempo.

Os slings têm sido descritos como uma das primeiras peças de tecnologia, uma necessidade absoluta para os povos nômades, para quem transportar os bebês nos braços era não só impraticável, mas faria com que as mães necessitassem de muito mais energia. No entanto, é verdade que a maioria dos slings e carregadores que vemos hoje foram produzidos por empresas que foram estabelecidas nos últimos 40 anos. Nos últimos vinte anos temos visto a criação de novos produtos, como wraps de tecido elástico e slings híbridos, além de um enorme crescimento no número de empresas que fazem e vendem slings.

Mas como isso surgiu?

Sabe-se que os materiais naturais, como cascas, folhas e peles de animais foram inicialmente utilizados para criar slings simples de um ombro só, o que ajudava a apoiar o peso da criança, enquanto os adultos estavam se movendo de um lugar para o outro à procura de comida.


Mais tarde, quando a tecelagem começou a ser usada para criar tecido, simples peças de pano foram usadas para amarrar a criança no corpo do adulto (ou do irmão, pois os bebês foram e ainda são carregados pelas crianças mais velhas). 
Às vezes, estes eram muito ornamentados, como na Ásia, onde slings eram frequentemente bordados ou feitos de tecido como a seda de quimonos no Japão.
Na África, tecidos como a Kanga ou Kitenge eram usado como um avental, um cobertor para sentar . 


No México, o rebozo, que era carregador de pano usado pelas mulheres o tempo todo, também era utilizado para transportar bebês. Na Índia, as mulheres amarravam os bebês em uma parte de sua saris e em Bornéu, usavam cestas de vime. 



No País de Gales o cobertor galês foi usado por homens e mulheres regularmente para transportar bebês até os anos 1950, quando a produção em massa de carrinhos fez com que seu uso praticamente desaparecesse.

O modelo do carregador de bebê variavam de acordo com o clima - em climas mais quentes, os bebês têm uma maior necessidade de serem alimentados com freqüência e carregadores que mantêm o bebê perto de mãe (ou a outra mulher que vai alimentá-lo) eram mais práticos, pois permitiam que o bebê se alimentasse mais frequentemente, evitando a desidratação. Em climas mais frios, os bebês tendem a se alimentar menos por dia e podiam ser deixados separados de sua mãe por períodos mais longos, pendurando o carregador em galhos de árvores ou amarrados em trenós.

No final da década de 1960, uma mulher americana inventou o portador de bebê ''Snugli'' depois de ver mulheres africanas carregando seus bebês em suas costas, quando ela trabalhava como voluntária do Corpo de Paz no Togo, na África Ocidental. Na década de 1970, a primeira empresa de sling de tecido alemã, Didymos, foi criada depois que seu fundador foi presenteado com um rebozo mexicano. No início de 1980, o sling de argola foi inventado no Havaí, por um homem presenteando sua esposa. Ele vendeu sua idéia para o Dr. William Sears, que inventou o termo "attachment parenting" e cuja esposa, Mary inventou o termo "babywearing" depois de usar um sling com seu filho e o descrevendo como uma peça de roupa que ela vestia pela manhã e tirava a noite.


Desde os anos 1980, o número de tipos de slings cresceu imensamente (os slings tipo pouch e os demais feitos de tecidos macios e estruturados, são adaptações ocidentais de carregadores tradicionais), assim como o número de novas empresas, desde grandes fabricantes até pais que criam e vendem slings personalizados. Com tantos tipos, chegar a uma escolha pode ser complicado, mas se mantermos o foco nas origens dos carregadores de bebê, podemos ajudar os pais a fazerem a escolha certa.

por Victoria Ward

Artigo original do site do Gentle Parenting em tradução livre pela Sampa Sling