3 de agosto de 2015

Células Protetoras no Leite Materno: para o bebê e para a mãe?

Texto original de MilkGenomics
Em tradução livre pela Sampa Sling

Imagem: Milk Genomics

  • O leite humano contém células imunes para o desenvolvimento infantil e sua proteção.
  • O colostro e o sangue materno têm diferentes distribuições de células do sistema imunológico, sugerindo a migração seletiva de células imunológicas para o leite.
  • Ao contrário de outras espécies, o leite humano maduro contém poucas células do sistema imunológico quando a mãe e o bebê estão saudáveis.
  • As infecções maternas e infantis estimulam uma rápida resposta imuno-celular no leite materno.
  • Células imunológicas do leite humano oferecem uma oportunidade de diagnóstico para avaliar a saúde materna.

Os bebês estão bem protegidos e alimentados enquanto ainda no ventre da mãe, mas o que acontece depois que eles nascem, quando são repentinamente expostos a um ambiente desafiador cheio de partículas novas e invasivas? A mãe entra em cena novamente, fornecendo o leite materno. Este fluido dinámico contém não só os nutrientes necessários para o crescimento ideal do recém-nascido, mas também células imunecompententes ativadas. Dois estudos inovadores mostram que essas células migram seletivamente para o colostro e o leite.

Quais as células que estão no leite?

O leite materno tem sido conhecido por conter células maternas; o que é bem menos compreendido é a proporção de tipos de células diferentes do leite, a sua importância para a mãe e o bebê, e os fatores que as influenciam.

Normalmente, o leite materno é conhecido por abrigar células epiteliais e células do sistema imunológico. As descobertas recentes mostram que a composição celular do leite materno é mais heterogênea do que se pensava e que, entre os diferentes tipos de células, existem celulas-tronco.

As células-tronco, no entanto, não compreendem a maioria das células do leite materno. Relatórios do século passado sugeriam que o tipo de célula dominante no leite humano eram células imunitárias (leucócitos). Um olhar mais atento a estes estudos revela que a maioria deles examinou colostro e leite no período de lactação logo após o parto. Além disso, o estado de saúde da mãe e do bebê não foi levado em consideração em todos os estudos. Assim, a pergunta que ficou sem resposta é: a célula predominante no leite humano maduro, é a célula imunitária? E qual é a sua importância?

Em um esforço para lançar alguma luz sobre essa área, examinamos uma população de mães que amamentavam seus bebês tanto quando eles eram saudáveis ​​e como quando eles tinham alguma infecção.

Uma vez que tinha sido sugerido, já em 1953, que as populações de células imunológicas do leite materno freqüentemente compartilham características morfológicas com populações de células epiteliais, utilizamos a citometria de fluxo para examinar a expressão do marcador pan-imune” de células CD45. 

Isto assegurou que apenas as células imunes e todas as células do sistema imunológico fossem identificadas e contadas. Os resultados foram fascinantes e certamente inesperados. O colostro humano continha um número significativo de células do sistema imunológico (até 70% das células totais do leite), consistente com as necessidades imunológicas dos bebês no período pós-parto. No entanto, nas duas primeiras semanas após o nascimento, o número de células imunes do leite materno diminuiu para um nível de 0-2% do total de células, que foi mantida durante toda a lactação quando a mãe e o bebê eram saudáveis.

Considerando-se o conteúdo celular de leite humano, que varia, aproximadamente, 10.000 a 13.000.000 células/ml2, 0,1% de células imunitárias correspondem a 10 a 13 mil células do sistema imunológico por ml de leite, enquanto que 2% de células imunitárias correspondem a 200 a 260 mil células imunes/ml de leite . 

E dado que bebês amamentados normalmente consomem 470-1350 ml de leite materno diariamente, ingerem milhares a milhões de células do sistema imunológico de suas mães todos os dias. Assim, embora a proporção de células imunes em relação a outras células no leite humano maduro é baixa em condições saudáveis, o número total de células imunitárias ingeridos pelo lactente é significativa. 

O que é mais, demonstrou-se que o nível da linha de base das células imunológicas do leite humano é mais elevada em amamentação exclusiva, que podem ser associadas com a menor incidência de infecções observadas neste grupo. Isto apoia ainda mais a importância do aleitamento materno exclusivo na proteção do bebê.



As Populações de células mudam quando a mãe ou o bebê ficam doentes

Durante os períodos de infecção da mãe ou do bebê, os níveis de células imunes aumentou significativamente no leite materno, mas voltou ao valor inicial após a recuperação. As infecções examinadas variaram de infecções específicas da mama, tais como mastite - o que estimulou a resposta imunitária de células mais extrema no leite materno (que compreende até 95% do total de células!) - a outras infecções da mãe ou o bebê, que incluiu o resfriado comum, infecção gastrointestinal, candidíase vaginal, urinária, dos olhos ou infecção no ouvido.

É notável que uma resposta imune celular no leite materno foi provocada por uma infecção infantil, enquanto a mãe permaneceu assintomática. E, embora esta resposta foi pequena em comparação com infecções do peito, foi, no entanto, consistente. Resultados semelhantes foram recentemente relatados por outro estudo que mostra que a febre infantil estimulou uma resposta celular imune do leite materno, que regressou a um nível basal baixo após a recuperação. Isto foi acompanhado por uma resposta bioquímica paralela do aumento dos níveis de TNFa e de lactoferrina, embora este limite foi significativo e não tão consistente quanto a resposta imune celular.  Nós relatamos resultados similares para lactoferrina do leite materno e imoglobina. É extremamente interessante que as células imunológicas do leite materno respondem rapidamente a qualquer infecção materna ou infantil, sugerindo um papel na proteção da mãe, bem como do bebê.

E o mecanismo é ...?

Estes resultados suportam uma ligação imunológica entre a mãe e o bebê amamentado, reforçando o argumento de "leite humano para bebês humanos". Eles também levantam questões importantes sobre a forma como a infecção do bebê pode estimular uma resposta imune na mama em lactação e se este também fornece proteção local para a mama.

Propusemos que os patógenos infantis orais podem ser transportados para a mama através do fluxo ductal retrógrado durante a ejeção do leite, estimulando assim uma resposta local dentro da mama. Embora este fato mereça uma investigação mais aprofundada, as células imunes do leite materno respondem à infecção do lactente, destacando um componente subestimado da natureza protetora do leite materno. Além disso, reforça ainda mais as funções anteriormente propostas de células imunológicas do leite materno para o bebê: conferir imunidade ativa num momento em que ela é mais necessária e promovendo o desenvolvimento da competência imunológica. 

As Células imunológicas do leite materno exercem essas funções não só no trato gastrointestinal do bebê, mas também em locais distantes por onde são transportados através da circulação sistêmica. Um estudo recente reforça estas ligações, mostrando uma distribuição diferencial de linfócitos entre colostro e sangue periférico materno, com linfócitos B, células T CD4 +, células efectoras e células de memória estarem presentes em maiores quantidades no colostro do que no sangue da mãe. Isto sugere uma migração seletiva destes subconjuntos de células imunitárias do sangue periférico ao colostro, suportando o significado funcional destas células no início da proteção de recém-nascidos e, potencialmente, refletindo o estado diferente do ambiente da mama, durante o período pós-parto.

Oportunidades de diagnóstico

A resposta das células imunes no leite materno, então, é um mecanismo de proteção não só para bebê, mas também da mama em lactação? Ele pode ser usado como uma ferramenta de diagnóstico para a avaliação do estado de saúde da mama em lactação? 

Surpreendentemente, a mama em lactação é o único órgão em estado metabólico no corpo humano que não tem qualquer teste médico de normalidade. Contagem de células somáticas é um parâmetro rotineiramente utilizado na indústria de laticínios para avaliar a qualidade do leite de bovino e a presença de infecção intramamária. Os dados atuais sobre o leite materno refinam este teste, especificando para células do sistema imunológico e estendendo-se a lactação humana. Obviamente, existem diferenças nas populações de células entre o leite humano e bovino, sendo que com este último que contém grandes quantidades de células imunocompetentes em toda a lactação.


Apesar destas diferenças, a infecção intramamária, como a mastite, causa aumentos significativos em ambos os totais (somáticos) de células imunes em ambos leites bovino e humano, sugerindo que esses parâmetros podem ser uma ferramenta valiosa para o diagnóstico precoce das condições de mama em mulheres, seguido de um tratamento bem sucedido. 

A importância disto não pode ser subestimada, sendo a mastite uma das principais causas de desmame precoce e interrupção do aleitamento materno. O diagnóstico precoce é suscetível de ser fundamental para o sucesso do tratamento, permitindo assim uma maior duração do aleitamento materno e garantindo o início saudável para a criança, bem como benefícios multidimensionais para a mãe. Prevê-se que à medida que aprendemos mais sobre as células imunológicas do leite humano e fatores que as influenciam, um entendimento e apoio mais profundo serão desenvolvidos para os atributos e qualidades deste presente maravilhoso, o leite materno.

Texto original de MilkGenomics
Em tradução livre pela Sampa Sling